O contrato da máquina de cartão sempre foi um dos maiores empecilhos para quem quer usar essa forma de aceitar pagamento. Complexo e cheio de termos técnicos, esse documento não é dos mais fáceis de entender.

No Brasil, os contratos precisam ter textos acessíveis ou estarão contrariando o Código de Defesa do Consumidor. Segundo o artigo 46 da Lei Nº 8.078, “Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores (…) se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.”

Ainda assim, o simples fato de contarem com um alto número de páginas (o contrato da Cielo passa das 100 páginas) pode ser um desafio para muitos brasileiros. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 6,6% da população é formada por analfabetos e quase a metade (46,6%) com 25 anos ou mais de idade completou apenas até o ensino fundamental ou equivalente.

Mas a boa notícia é que muitas cláusulas dos contratos de máquinas de cartão são formalidades que não afetam o seu uso do aparelho. Por isso, vamos discutir a seguir quais cláusulas são mais importantes e como interpretá-las. Isso não quer dizer que você não deva ler o contrato como um todo. Apenas que você deve dedicar uma atenção maior a certas questões.

Importante: o que você vai ler a seguir não é conselho legal, apenas informações generalizadas sobre o assunto. Busque por um advogado para tirar dúvidas sobre o seu caso específico.

Contrato de Credenciamento ou Termos & Condições?

Algo que você deve ter notado é que muitas empresas fornecedoras de máquinas de cartão oferecem um documento chamado de Termos & Condições ou Termos de Uso em vez de Contrato de Credenciamento.

Ainda que hajam diferenças legais quanto a estes nomes, no final das contas, todos eles informam o que é preciso fazer e entender para usar o aparelho. E você não tem o poder de solicitar modificações ou condições especiais.

Todos esses documentos são impostos pelo fornecedor e nem sempre necessitam de uma assinatura sua, seja esta real ou digital, para se tornarem válidos.

Leia o cabeçalho do contrato da máquina de cartão

A primeira seção para a qual você deve dar atenção é ao cabeçalho do contrato. Nele, você encontra o nome da empresa que está lhe oferecendo o serviço, endereço e CNPJ.  Estes dados podem se tornar essenciais no futuro se você precisar discutir algo judicialmente.

Observe que alguns contratos ou termos & condições podem ter mais de uma empresa envolvida. Isso acontece porque pode haver uma separação entre quais serviços é administrado por cada uma delas.

Cabeçalho dos termos de uso da SumUp

SumUp apresenta duas entidades jurídicas

A SumUp, por exemplo, tem uma entidade jurídica para os serviços gerais e outra para a conta de pagamentos, emissão de cartão de crédito pré e pós pago e linhas de crédito.

E a empresa nomeada pode ser algo diferente do que você espera. Nos Termos & Condições Gerais de Uso da Ton, você não verá o nome Ton, e sim Pagar.me e  Stone.

Cabeçalho dos termos de uso da Ton

Ton tem contrato no nome da Pagar.me e Stone

Entenda como funciona a remuneração

A forma como você receberá o saldo das vendas com a máquina de cartão está descrito nas cláusulas sobre remuneração e pagamentos. O nome da seção pode mudar, mas costuma ser algo do tipo.

Leia essa parte com cuidado. Nela, você vai encontrar informações sobre o seguinte:

  • Quando e como o saldo será liberado para você.
  • Como você pode acompanhar os pagamentos que irá receber.
  • O que acontece em caso de chargebacks e estornos.
  • O que você deve fazer se discordar do saldo que aparece no extrato.

Também nessa seção você pode encontrar informações sobre relatórios para o imposto de renda e outras obrigações legais ligadas ao pagamentos dos serviços prestados.

Conheça as proibições e penalidades

Uma das coisas que acaba pegando muitos empreendedores de surpresa são as proibições e penalidades incluídas nos contratos das maquininhas. Muita gente pensa que desde que não esteja cometendo um crime, tudo é permitido na hora de receber pagamento.

Mas a verdade é que você está usando um serviço oferecido por outra empresa. E esta tem o direito de impor certas condições – desde que estas também sejam legais. A fornecedora também pode estabelecer penalidades caso estas condições não sejam observadas.

O complicado é que essas restrições podem não estar em apenas uma seção, mas espalhadas por todo o contrato. Assim, a dica é fazer uma busca na versão digital do contrato por palavras-chave, como “proibido”, “bloqueio” ou “restrito”.

Veja aqui duas proibições presentes no contrato da Cielo:

Aceitar meios de pagamento de titularidade de terceiro que não seja o portador.

Ou seja, você não pode passar o cartão de outra pessoa que não esteja presente, mesmo que seja cônjuge ou parente próximo.

Desmembrar o preço de uma única transação em várias transações. Ex.: Desmembrar uma transação de R$100,00 em duas de R$50,00.

Nos Termos e Condições da Ton, você encontra:

Eventuais mudanças de local de utilização deverão ser necessariamente precedidas de autorização expressa do Pagar.me, sob pena de rescisão imediata do Termo, sem prejuízo de eventual compensação por Perdas que o Pagar.me vier a incorrer.

Ou seja, se você decidir mudar a sua loja de endereço ou abrir um segundo endereço e decidir usar a máquina nos dois, deve primeiro informar à Ton.

E nos Termos da SumUp, temos:

É proibido realizar qualquer tipo de procedimento que objetive o conhecimento da tecnologia empregada na maquininha ou no aplicativo, especialmente procedimento de engenharia reversa ou qualquer outra tentativa de acesso aos códigos fonte da SumUp.

Ou seja, mesmo que seja por simples curiosidade ou objetivo de estudo, você não pode tentar descobrir a tecnologia por trás do funcionamento da maquininha.

Veja o que acontece em caso de defeito ou troca

Você também precisa saber logo no início o que acontece se a máquina de cartão vier a apresentar um defeito ou sofrer uma varia. Assim, se isso vier a acontecer, você já saberá como proceder, o que agiliza o processo.

Busque nos contratos informações sobre a garantia. O PagSeguro, por exemplo, oferece 5 anos e conta com um documento específico sobre trocas e devoluções.

E nem sempre pagar aluguel significa que você irá ter troca e conserto de graça. A Cielo, por exemplo, diz o seguinte:

A manutenção preventiva e corretiva será realizada somente pela Cielo ou empresas por estas indicadas, sendo que em determinados casos a Cielo poderá cobrar pela substituição de peças, acessórios e componentes dos terminais, ainda que tais equipamentos sejam de propriedade do cliente.

Fique atento às taxas e tarifas

Por fim, é importante que você tenha bem claro quais são os encargos incluídos no uso da maquininha de cartão. Muitos empreendedores que basta apenas pagar pelo aluguel ou compra do aparelho e também as taxas sobre as vendas realizadas. Mas podem haver outros custos.

Empresas como Cielo e Rede costumam cobrar muitas outras taxas e tarifas, como adesão, credenciamento, manutenção cadastral, emissão e envio de extratos, conectividade e liquidação.

Observe que os valores dessas taxas e tarifas não estão incluídos no contrato. Você deve solicitar a tabela em separado, sabendo que os valores podem mudar de tempos em tempos. E estes são decididos pela empresa – mas devem ser comunicados a você.

Também podem estar previstas multas em caso de atraso ou quebra de contrato. Por exemplo, a Ton informa o seguinte:

Eventual atraso no pagamento da Taxa de Adesão ou de quaisquer outras tarifas e remunerações, de forma total ou parcial, pelo Usuário às Contratadas, implicará multa moratória de 2% (dois por cento), incidente sobre o valor devido e não pago, acrescido de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês e de atualização monetária com base no IPCA/FGV, calculados pro rata die, ou na falta deste, por
outro índice que legalmente o substitua.

O que mais observar no contrato da maquininha

Além do que foi apresentado a seguir, há outras questões que devem ser levadas em consideração:

  • Locação e comodato – é importante entender quais as suas obrigações quando alugar uma máquina de cartão.

Lembre também que muitas empresas que permitem a compra do aparelho fazem isso em regime de comodato. Este é o caso, por exemplo da Ton e PagSeguro.

  • Rescisão – você deve estar ciente desde o início sobre o que acontece caso você queira deixar de usar a máquina de cartão.

Há também orientações sobre o que fazer em casos específicos, como falecimento do titular. A SumUp define o seguinte para este caso:

Em caso de morte de Cliente SumUp pessoa física, o herdeiro (ou um deles, se houver mais de um) deve informar à SumUp para que a empresa possa tomar as medidas cabíveis, apresentando (a) documento que comprove o falecimento e (b) documento que comprove situação de herdeiro ou inventariante.

O falecimento do cliente encerra de pleno direito a relação com a SumUp. Assim, o uso da Maquininha após o falecimento constitui fraude.

Caso seja de interesse do herdeiro continuar usando a Maquininha, entre em contato conosco para verificar a possibilidade de transferência do Perfil.

O que acontece se a empresa decidir sair o mercado brasileiro, encerrando as suas atividades, também deve estar explicado. Geralmente, a empresa deverá informar o que está acontecendo por meio de e-mail ou carta. Foi o que fez a Zettle recentemente.

Email Zettle sobre encerramento de atividades

Email Zettle sobre encerramento de atividades inclui cláusulas relacionadas

Por fim, entenda o que acontece quando você quer transferir a máquina para outra pessoa. Muitas empresas permitem esse processo, mas há recomendações específicas a seguir

  • Outros: além desses dois itens, é bom prestar atenção às seções relacionadas a Proteção de dados, Lei Anticorrupção e pagamentos em moeda estrangeira. E pode também haver cláusulas sobre maquininha grátis ou aluguel zero.

Busque pelos anexos

Muitos contratos de aluguel contam com diversos anexos e alguns podem ser úteis para você. Por exemplo, você pode encontrar um glossário, explicando os termos técnicos e jurídicos usados no texto.

Eles também podem oferecer recomendações específicas para certos serviços, como venda digitada, recarga de celular e pagamentos recorrentes. Ou para certos setores, como turismo e alimentação. Por exemplo, há condições específicas para aceitar cartão-refeição.

E lembre sempre que o Código de Defesa do Consumidor protege você. O contrato é pré-formatado, mas, se você acreditar que está sofrendo por conta de uma cláusula abusiva, busque o Procon e/ou um advogado de sua confiança.